sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Educadores têm pouco reconhecimento no Brasil

Considerado um dos maiores educadores do mundo, com livros publicados em mais de 20 idiomas, Paulo Freire completaria 87 anos nesta sexta-feira

Fonte: Jornal do Commércio Online (16.09.2008)

Seu pensamento continua atual, embora, na avaliação de pessoas ligadas a ele, não tenha, no Brasil, o reconhecimento que merece. Ele morreu há 11 anos, em maio de 1997.
“Paulo Freire é o brasileiro com maior título de doutor honoris causa do mundo, junto a Darcy Ribeiro e Fernando Henrique Cardoso. Em 1989, a Universidade de Bolonha, na Itália, a mais antiga do planeta, convidou dois homens para serem homenageados. Um foi o oceanógrafo francês Jacques Cousteau. O outro foi Paulo Freire. É uma pena que a maioria das universidades brasileiras não o reconheçam, talvez por não enxergar nele um homem de presente e de futuro”, diz o filósofo Mário Sérgio Cortella, que substituiu Freire na Secretaria de Educação de São Paulo, em 1991.
Frei Betto acha que há preconceito da academia. “Paulo Freire está atualíssimo. Ele é um patrimônio de cultura do nosso País. Mas nos Estados Unidos há mais teses sobre ele do que aqui. Isso vem do elitismo da academia brasileira, que quer estudar as relações sociais sem entrar na favela, sem pisar no barro.”
Viúva do educador, a professora Ana Maria Freire destaca o alcance do pensamento freiriano. Pedagogia da Autonomia, último livro que ele publicou em vida, já teve 1,2 milhão de exemplares vendidos somente no Brasil. “O pensamento dele está atual e não se restringe à educação. Serve de subsídio para a psicologia, a medicina, a filosofia, a história”, observa Nita, como era chamada pelo educador.
“Para mim é um absoluto espanto que no governo Lula, meu pai, que fundou o PT, que esteve junto desse partido e desse governo, não tenha servido de inspiração”, critica a filha mais velha dele, Madalena Freire.
O presidente Lula discorda. “O método de Paulo Freire continua influenciando cada educador brasileiro. O governo federal tem uma política forte para alfabetizar todo o povo brasileiro e ainda, em muitos cantos do País, é o método dele que continua prevalecendo, o que demonstra que ele pensou grande, há 50 anos.”
HOMENAGENS
Para marcar o aniversário do educador, o Centro Paulo Freire, ligado a UFPE, realizará, sexta e sábado, o evento Andarilhando com Paulo Freire. No primeiro dia haverá atividades no Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA), às 14h. No sábado, no Centro de Educação, serão formados círculos de cultura, a partir das 9h, para debater temas ligados à pedagogia freiriana.
ALGUNS PONTOS DO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE
Para Paulo Freire o conhecimento não está somente nas escolas. Igrejas, sindicatos, associações de bairro podem ser espaços de educação, desde que neles haja alegria, ética e respeito. Não é o que acontece em colégios públicos que precisam conviver com violência e problemas de infra-estrutura.
Paulo Freire pensava a escola como um espaço democrático, construído em conjunto com pais e a comunidade e associado à realidade do local. “Quanto mais abrir a escola, desafiar os estudantes... Tudo o que a gente fizer os que vivem a escola a participarem, a tomar o destino do espaço ainda é pouco do tanto que a gente precisa para cuidar do País.”
É nessa lógica que está fundamentado o Programa Escola Aberta, da Unesco. Durante os fins de semana, colégios públicos abrem as portas para atividades esportivas e culturais. Na Escola Municipal Nadir Colaço, bairro da Macaxeira, Zona Norte do Recife, há oficinas de dança, capoeira, pintura, teatro, futebol, violão e caratê.
“Percebemos que, depois do Escola Aberta, os alunos pararam de pichar as paredes. Passaram a respeitar a escola”, diz a diretora Josinere Sales da Silva. “Conseguimos resgatar a auto-estima de muitos jovens, que antes nem estudar queriam” complementa o coordenador do programa, José Aílton da Silva.
CRITICIDADE
Filho caçula de Paulo Freire, Lutgardes Costa Freire diz que seu pai desejava uma escola em que, no domingo, o aluno sonhasse em ir para ela na segunda-feira. “A escola cidadã é uma escola de produção comum, de liberdade. Não pode ser autoritária. Uma das primeiras coisas que a escola tradicional tira do aluno é a felicidade, a criatividade. Meu pai tentava mudar isso. Por que não conversar com o aluno sobre o córrego que passa pelo bairro? Por que não discutir com ele os problemas da comunidade?”, observa Lutgardes Freire.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) adota o pensamento freiriano. Na Escola Nacional Florestan Fernandes, localizada no município de Guararema, em São Paulo, as idéias dele são debatidas pelos militantes, que depois as levam para os acampamentos e assentamentos. “Nossa filosofia é de transformação social, de desenvolver a consciência crítica das pessoas. E nisso Paulo Freire tem uma contribuição muito especial, tanto na escola como na perspectiva política e pedagógica da escola e do movimento”, explica um dos coordenadores da escola, Ney Orzekovsky.
O pensamento de Freire está presente desde a construção da escola, em 2000, realizada coletivamente por assentados de todo o País. “Foram 25 brigadas que participaram. Cada grupo ficava entre 60 e 70 dias. Havia o trabalho mesmo da construção, mas também a alfabetização e a discussão de temas importantes para o movimento”, conta Ney Orzekovsky.
EDUCAÇÃO POPULAR
Para Paulo Freire, a educação não se limitava ao ambiente escolar. Tanto que, no início dos anos 60, no Movimento de Cultura Popular (MCP), no Recife, ele criou os círculos de cultura para alfabetizar jovens e adultos em igrejas, clubes, associações de moradores e outros espaços comunitários.
Em Caruaru, no Agreste do Estado, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Fafica) desenvolve um projeto baseado na pedagogia freiriana. Presos, catadores de lixo e pacientes internados em hospitais da cidade têm aulas periodicamente. “Melhora a prática pedagógica de nossos alunos, que mantêm contato com realidades diferentes. E proporciona uma educação cidadã. O diálogo e a reflexão crítica, tão presentes em Paulo Freire, fazem parte do trabalho”, explica a coordenadora do projeto, Neide Valones. “Não é porque estamos presos que deixamos de ser cidadãos. Quero fazer faculdade quando sair daqui”, diz Igor Capitulino, 27, um dos alunos da turma de supletivo do Presídio Juiz Plácido de Souza.

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