segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Irmãos educados em casa passam em prova, mas têm futuro indefinido

Os irmãos mineiros David, 15 anos, e Jonatas, 14 anos, que saíram da escola tradicional há dois anos e são educados em casa pelos pais foram "aprovados" na maratona de quatro dias de provas determinadas pela Justiça de Timóteo, em Minas Gerais, para avaliar se tinham conhecimento compatível com estudantes da mesma idade. Ainda assim, o futuro dos meninos continua indefinido, já que a educação em casa não é permitida pela legislação brasileira.
A nota mais baixa que Jonatas teve foi 37, em história. A mais alta foi a de português: 81 pontos. David teve a nota mais baixa em ciências - 46 pontos; e a mais alta em geografia - 86 pontos. A média final dos irmãos superou os 60 pontos, que era a mínima exigida pela Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais. (Veja as notas dos meninos abaixo).


Disciplina David Jonatas

Português 61 81
Inglês 74 68
Matemática 60 54
Ciências 56 63
Geografia 86 66
História 85 37
Arte 73 80
Ed. Física 58 71

Os pais dos jovens, Bernadeth e Cleber Andrade Nunes, estão sendo processados nas áreas cível (por descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente) e criminal (pelo crime de abandono intelectual). Eles foram condenados em primeira instância na área cível a rematricular os adolescentes na escola e pagar uma multa - eles podem até perder a guarda dos filhos. A família recorreu. Agora falta a manifestação do juiz criminal - que vai determinar se houve ou não o abandono intelectual.
Para Cleber, o resultado das provas é "excelente", pois, na opinião dele, mostra que não existe o crime de abandono intelectual dos filhos. "Sem freqüentar a escola, eles tiraram notas altas em matérias que eles receberam o conteúdo programático apenas uma semana antes dos exames. Tenho esperança de que o juiz seja favorável a nós, já que os meninos superaram as médias estipuladas", disse.
Elisabeth Anareli Pereira, professora e diretora da Superintendência Regional de Ensino da região de Coronel Fabriciano (que engloba a cidade mineira de Timóteo), diz que o resultado que os meninos atingiram nas provas é "razoável e está totalmente dentro da normalidade dos alunos de escolas públicas". Para Elisabeth, mesmo com as notas acima da média, os irmãos deveriam freqüentar a escola tradicional. "Para um pai que acha que a escola pública regular não é boa, ele deveria entender que a escola regular é boa, sim, já que as notas obtidas pelos meninos foram compatíveis com as notas que os nossos alunos tirariam na mesma prova", afirma.
Questionada sobre questões da prova de educação artística que pediam para dissertar sobre Picasso e fazer críticas sobre peças teatrais, Elisabeth disse que a prova foi elaborada de acordo com o currículo do ensino fundamental. "Não peguei todas as provas para avaliar, porque havia uma banca de professores para isso. Mas as aulas de artes se modernizaram. Na minha época de colégio, a gente aprendia a bordar", afirma.
Elisabeth diz que a prova não foi difícil para alunos dessa idade. "A gente avaliou o conteúdo que eles teriam que saber. O que eu posso dizer é que eles estão aptos a cursar o 1º ano do ensino médio (o mais velho) e o 9º ano do ensino fundamental (antiga 8ª série, o menino mais novo)". Para isso, eles seriam "reclassificados", afinal, abandonaram a escola quando cursavam a 6ª e a 5ª séries do ensino fundamental, respectivamente. As provas e os resultados já foram encaminhados para avaliação da Justiça. Na opinião da diretora da superintendência de ensino, o pai deveria rematricular os filhos na escola para cumprir as Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o ECA, "Se ele acha a escola ruim, ele deveria complementar o ensino no contra-turno dos meninos. O que ele não pode é infringir as leis".
Em entrevista ao G1, o juiz Eduardo Augusto Guastini, titular do Juizado Especial Criminal e responsável pelo caso dos irmãos Nunes disse que o processo ainda não tem decisão final porque duas testemunhas precisam ser ouvidas, mas descartou a possibilidade de prisão dos pais dos adolescentes - pois são réus primários e, por não haver, por enquanto, comprovação de abandono intelectual.

"O caso deles é bem diferente e mais complexo. Já peguei casos de abandono intelectual, mas eram casos de pais que simplesmente tiravam os filhos da escola. Não tinham o objetivo de educá-los em casa", disse o juiz. A pena para o crime de abandono intelectual varia de 15 dias a um mês de prisão ou multa, que pode ser revertida em prestação de serviços para a comunidade. "Mas a prisão você pode esquecer, eles não vão para a prisão", afirmou Guastini.

De acordo com Guastini, as testemunhas de defesa são de outros estados e, por isso, serão ouvidas por carta precatória - procedimento que pode demorar algum tempo. Depois disso, os pais serão ouvidos e o processo seguirá para as alegações finais do Ministério Público - autor da ação e responsável pelo pedido de condenação ou não dos pais. A defesa também terá um prazo para se manifestar e só então o processo volta para o juiz que dará sua decisão.

As provas foram elaboradas por uma comissão de 16 professores das secretarias municipal e estadual de Educação. Cada disciplina teve 20 questões - 15 de múltipla escolha e cinco discursivas - e os exames foram aplicados de 18 a 21 de agosto.

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